A ansiedade é um pedido
- Selma Bellini
- 3 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de jun. de 2024
A ansiedade é um pedido. Esse é o título que a filósofa Ilaria Gaspari deu para o capítulo sobre a ansiedade, em seu livro "A vida secreta das emoções".
Utilizamos muito a palavra ansiedade e pouco paramos para pensar no que ela carrega. Quando um paciente me diz "tenho ansiedade" ou qualquer frase parecida, a primeira coisa que costumo fazer é pedir que a pessoa me explique o que ela quer dizer com ansiedade. Sim, porque dizer ansiedade pode causar uma grande dose de confusão de significados. A palavra cresceu e a utilizamos de forma generalizada para muitas coisas, podemos até argumentar que ela se desgastou um pouco. Então, mais do que uma lista de sintomas comuns a muitos de nós, interessa o que é a ansiedade daquela pessoa, como ela experimenta as emoções que chama de ansiedade.
No entanto, ainda que as emoções sejam sentidas de forma absolutamente individual, porque cada pessoa foi construindo significados com sua história única, há pontos coletivos que permitem fazer um certo mapeamento do que é aquela emoção. E é isso que a filósofa faz em seu livro, passando pela etimologia da palavra, histórico de sua utilização, como diferentes filósofos trataram o tema e exemplos na literatura.
Ilaria nos lembra do parentesco entre medo e ansiedade. "O batimento acelerado, a sensação da respiração presa na garganta: a ansiedade incorpora em si os sintomas do medo, porque, no fundo, ela é uma forma de medo, é um modo de ter medo. Só que o medo é uma emoção imediata: ativa-se diante de um perigo, real ou imaginário, mas em todo caso presente. (..) O perigo desencadeado pela ansiedade, ao contrário, é como se fosse reincorporado naquele que a sente: é um perigo constante, mas invisível, indefinido."
Que medo é este? Não é uma resposta única, estamos mais para encontrar um combinado único de medos para cada pessoa, mas Ilaria aborda, com a ajuda da filosofia, algo que temos em comum: "A consciência da condição humana comporta a iminência de um perene estado de ansiedade, entendida como desdobramento: o conflito interior é a postura mais típica — própria, de fato, dos heróis e das heroínas da tragédia — que se assume diante de uma escolha. E viver, para Kierkegaard, significa comprometer-se com uma série de escolhas, infelizmente, tanto mais dolorosas quanto mais conscientes. A ansiedade é a tentação de uma paralisia que somos convocados a vencer, transformando-a no sintoma de uma vida que se concretiza, que atravessamos autenticamente e pela qual nos deixamos atravessar”.
Ter que escolher, viver com as consequências de tais escolhas e assumir as próprias limitações e faltas: eis um retrato da condição humana que traz uma grande carga de ansiedade. Numa sociedade de escolhas praticamente ilimitadas, que apresenta a cada instante, diante das telas dos celulares em que vivemos grudados, uma quantidade enorme de opções de uma vida que nos parece melhor do que a nossa, a ansiedade paralisa, o medo de estar perdendo algo se acumula junto aos outros medos pelo futuro e a velocidade do mundo adiciona um peso ainda maior.
Que saídas aponta Ilaria? Embora não seja possível ter uma fórmula pronta, um dos caminhos que Ilaria sugere já estava no título: a ansiedade é um pedido. E é um pedido que precisa ser verbalizado, escutado, não apenas medicando o sujeito para afastar a ansiedade, embora exista a necessidade em alguns casos. "É claro, há casos em que seria bom que a cura da ansiedade fosse também uma cura médica; casos nos quais o sofrimento excessivo se torna paralisia. Mas acho que a ansiedade nos pede sobretudo uma coisa, algo que devemos a ela: escutá-la, decifrá-la. Não nos envergonharmos dela se é nossa, não a ridicularizar se é de alguém próximo. Ouvi-la é importante, porque com frequência quer nos solicitar algo. Nem que seja somente nos conceder o tempo de nos mensurarmos com o sentimento habitual da nossa imperfeição”.
Selma Bellini
Psicóloga
CRP 06-155290
Atendimento Psicológico Adulto
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