Atenção alienada e nossa exaustão diante das telas
- Selma Bellini
- 20 de jun. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de ago.
É cada vez mais frequente a queixa de que nossa atenção não é mais a mesma e nos sentimos exaustos, com a cabeça fervendo e ao mesmo tempo sem energia. E não é mais novidade que o impacto do tempo de uso de telas, aplicativos de mensagens e de redes sociais nesse cenário é imenso, embora não seja o único e cada pessoa carregue sua própria individualidade nessa queixa. Ainda assim, mesmo que muitos saibam disso, estamos cada vez mais grudados nas telas, levando nossa atenção à exaustão. O brasileiro passa, em média, mais de 9,5 horas por dia na internet e mais de 3,5 horas por dia nas redes sociais. Ocupamos a segunda posição num ranking de 50 países no tempo de internet. Esses dados estão no estudo "DIGITAL 2023: GLOBAL OVERVIEW REPORT", da consultoria kepios, sobre o uso de internet e de redes sociais e os números do Brasil chamam muita atenção.
Se considerar apenas internet no celular, também seguimos em segundo: 5 horas e 28 minutos por dia na internet pelos celulares. Só os filipinos passam mais tempo nessa atividade que os brasileiros, e só três minutinhos a mais. Em média, um brasileiro navega na internet pelo celular o dobro de tempo que um alemão, por exemplo. No recorte de redes sociais, os usuários brasileiros entre 16 e 64 anos passam, por dia, 3 horas e 36 minutos navegando nas redes. Se considerar apenas o Instagram, o usuário médio brasileiro nessa idade passou mais de 15 horas por mês no aplicativo e somos o terceiro país do Ranking que mais tempo passa no Instagram: os turcos e argentinos ainda estão mais grudados que nós no Instagram.
Todo este tempo gasto nas redes sociais tem impacto para nossa capacidade de atenção em tarefas que pedem concentração maior, isso sem contar as consequências para saúde mental, um tema que merecerá outros textos em breve. O fato de os algoritmos ficarem cada vez melhores e de a inteligência artificial estar crescendo mais rápido do que podemos entender só tornarão o cenário ainda mais desafiador para nossa atenção e para saúde mental de todos nós.
Há alguns dias, o escritor Yuval Noah Harari, autor de Sapiens e Homo Deus, publicou em seu YouTube, a integra de uma conversa interessante sobre IA e o futuro. O vídeo merece ser assistido na íntegra (tem opção de legendas em português), mas gostaria de destacar um detalhe aqui. Já no final, o entrevistador pergunta o que o deixa mais otimista e excitado e o que mais o preocupa no mundo de hoje. E ele tão brilhantemente junta as duas coisas e responde que o que mais o preocupa nos dias de hoje é a necessidade de excitação e estimulação constante, como se a própria lógica de ficar excitado e feliz, a própria palavra tivesse perdido o significado: "as pessoas estão esquecendo que não é bom estar assim todo o tempo, que é exaustivo".
E essa resposta do Yuval diz muito sobre uma das variáveis na fórmula da exaustão atual: o impacto da estimulação constante dos feeds das redes sociais que consomem a atenção por horas e horas alimentando nossa necessidade de estar sempre recebendo informações e novidades, excitados na frente da tela sem perceber, deixando ali nossa energia. Na entrevista o Yuval dá um exemplo que pode parecer de ficção científica hoje, mas poderá ser a realidade em breve. Hoje o algoritmo sabe o que você gosta ou busca e mostra na sequencia do youtube ou no feed de redes sociais exatamente isso, para te manter ali por horas. Pois bem, no futuro, o algoritmo não apenas vai te conhecer melhor ainda, mas, com IA, as redes sociais poderão criar conteúdos ainda mais específicos pra você, aumentando inclusive a sensação de intimidade com a plataforma, o que poderá te manter ali por muito mais tempo, longe do contato com outras pessoas. O algoritmo sequer precisará esperar que um ser humano publique um conteúdo que ele "precisa" te mostrar, a IA poderá criar.
Todo esse cenário está nos deixando, nas horas em que estamos nas redes sociais, num estado de atenção alienada, submetida ao algoritmo. É fácil comprovar se esse é seu caso: apenas por alguns dias, tire do seu celular o aplicativo da rede social que você mais usa e veja o que acontece contigo. Talvez você perceba que não precisa se preocupar com isso e que esteja lidando super bem e não te faça falta, talvez perceba que suas mãos pegam "sozinhas" o celular para abrir um app que já não está mais lá e sinta algo de desconforto, talvez perceba que sua atenção estava sofrendo com isso sem que você tenha percebido. Acho interessante o experimento para que cada pessoa possa descobrir por si própria o impacto da tecnologia em sua atenção. As redes sociais certamente têm benefícios, mas será cada vez mais necessário estar consciente dos riscos que elas oferecem e de como funcionam para conseguirmos, de alguma forma, nos proteger de seus efeitos negativos para nossa atenção e saúde mental.
Selma Bellini
Psicóloga
CRP 06-155290



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